sábado, 4 de janeiro de 2014

O Cancro

Sempre conheci a minha mãe com problemas de saúde, mas agora era diferente...Ela estava com o ar mais grave, estava mais pensativa. Por incrível que pareça, não me lembro do dia em que ela me comunicou que estava a começar a ser tratada a um cancro e que era provavelmente daqueles mais graves! Só me lembro de ter feito, na casa de banho, em meio a lágrimas, uma oração...daquelas "parvas" que fazemos e em que dizemos coisas irreflectidas, mas cheias de sentimento e sentimentos...
"Deus, se curares a minha mãe, eu oferecerei a minha vida para a tua Obra!", como se pudéssemos manipular Deus! Com algo de que Ele gosta. Como se essa não fosse a nossa obrigação independentemente das circunstâncias nas quais nos encontramos. Felizmente eu sei, hoje, que a Misericórdia de Deus se renova cada manhã e que a sua Graça e o seu Sangue são suficientes para cobrir toda a minha tontice!
Foi uma caminhada estranha, daquelas que nunca se entranham. Foi como que entrar num deserto sem mapa. Foi o início dum Curso, daqueles que somos obrigados a frequentar, daqueles que não dão Status à não ser o de "Coitado", "Pessoa sem sorte" ou "Fraco".
Minha mãe tomou a decisão de avançar, de não se queixar. Ela gostava de ir passear para o mar. Nosso passeio favorito era ir lentamente, de carro desde Bias do Sul até à Fuzeta, por aquela estrada bem velhinha que tem, talvez, uma das vistas mais lindas do Mundo só igualável, quanto a mim, com a vista dos Alpes Suiços. 


Minha mãe dizia que o que mais lhe custava era a forma como era tratada por algumas pessoas e não propriamente a doença em si. Eu bem via que não era fácil. Quando voltava da quimioterapia, deitava-se, fraca, com dores imensas até recuperar o ânimo para tratar da casa, para tratar de nós, para continuar a trabalhar, ir a igreja, ir a praça...
Eu não me lembro de ter feito algo mais para ajudar durante a doença, a não ser palhaçadas para fazê-la rir, talvez a minha irmã o tivesse feito. Não compreendo a capacidade das Mães para sofrerem caladas e com o sorriso. um sorriso que falar sem articular, que desabafa sem se queixar, que tranquilizar sem alarmar. Ser mulher não é para qualquer um!
A igreja começou a juntar-se em oração, começamos a ser ajudados por algumas pessoas, mas tenho pouca recordações nítidas desse momentos, a memória ajudou a esquecer não fazendo o seu trabalho.
A falta de lucidez era notória em mim. Acho que começou durante o tempo em que minha mãe estava a ser sujeita à violência doméstica. Permitiu-me não sentir tanto o que se passava a minha volta. Mas com ela, vieram outros problemas dos quais só mais tarde eu viria a me aperceber...