quinta-feira, 28 de abril de 2016

Meus conselheiros, meus livros

Chega um tempo em que são poucos, os que a nossa volta percebem a vida como nós a percebemos. Eu chegara a essa fase.
Alguns sinais apareciam em mim que eu não conseguia perceber: cansaço, nostalgia, isolamento, insegurança, irritabilidade...
Eu falava com algumas pessoas amigas que achavam que era do meu feitio, outros achavam que tinha a ver com a minha educação, outros simplesmente lamentavam o meu negativismo. 
Aqueles que eram mais "espirituais", isto é, os que achavam que já tinham alcançado um nível elevado na sua relação com Deus afirmavam peremptoriamente que não passava de uma grande falta de oração e de estudo da Bíblia e com certeza uma falha no meu envolvimento nas atividades eclesiásticas.
Minha querida mãe lamentava que eu não fosse mais parecido com um dos meus amigos que acabara por se tornar pastor e um dos líderes da nossa igreja.
Eu esforçava-me para ser mais sério, tentava deixar de ser eu próprio. Passava o meu tempo a querer mais e mais na esperança de me tornar um "grande homem de Deus".
Mas o meu mundo interior estava muito longe disso e eu nem me apercebia da grande incongruência entre o que eu refletia e o que eu ressentia.
Nessa altura, chegavam-nos dos Estados Unidos da América livros escritos por cristãos que tinham formação em psicologia. Para mim, eles foram muito importantes, e ajudaram-me a entender muita coisa sobre mim e sobre os outros também. Mas de modo nenhum eles conseguiam abafar as crises pelas quais eu passava regularmente.
Hoje, entendo claramente que já evidenciava sintomas de depressão e se não fosse a graça de Deus através dos livros desses amigos e escritores que me nutriam e consolavam com os seus conhecimentos da Palavra de Deus e da Psicologia, eu teria vivido ainda mais perplexo com a minha existência.
Diz-se que os piores assassinos se encontram entre os maus cristãos! Eu concordo, em parte, com essa afirmação. Constroem-se modelos, exigem-se perfeições que ninguém vive afim de que e se e só se evidenciarmos esses modelos e perfeições, nós seremos aceitos no grupo. O que nos leva a uma necessária hipocrisia.
Ainda hoje, eu não compreendo como podemos passar tanto tempo tão longe do exemplo de Jesus Cristo que era de uma incansável graça para os pecadores e para os seus seguidores, ele que não tinha defeito algum. Como é possível que nós, que nos identificamos como discípulos de Cristo, vivemos o contrário, estamos cheios de defeitos e carregamos as pessoas com fardos que nem nós podemos suportar...

sábado, 23 de abril de 2016

Ainda se fosses o Figo!

Passa-se a vida a dizer aos jovem para investirem no que é mais belo. Que sejam pessoas melhores. Nos círculos religiosos como é o meu, falava-se em ir para missões, levar o Evangelho pelo mundo ao que ainda não conhecem Jesus, servir aos que nada têm...
Pois...
O que mais me custou nesta altura, em que decidimos deixar a nossa estável situação, nossas queridas famílias e os nossos amigos foi descobrir que fora das quatro paredes da igreja muitas das mesmas pessoas que mantinham este discurso o invertiam automaticamente fora delas.
"Pensa bem!"
"Será que isso vem de Deus!"
"Olha que tens um bom emprego!"
"Também podes fazer missões na tua terra!"
...
Mas houve uma frase que me intrigou profundamente e que era mais ou menos assim:
"Ainda se fosses um Figo (penso que na altura era o Figo...) e fosses ganhar milhões mas agora sair daqui e nem sequer saber se vais ter emprego quando voltares!"

Os piores inimigos estão ao nosso lado, são-nos próximos, que o diga o próprio  Jesus Cristo!
Felizmente, ainda hoje, não trocaria um minuto dessa altura da minha vida por toda a vida do Figo ou hoje em dia do Sr. Cristiano Ronaldo!

O que é certo é que foi uma das alturas em que perdi mais "amigos". Passamos a ser vistos como "estranhos fanáticos", isto dentro da própria igreja.

Impressionante é o facto de acharmos que isso aconteceu com Jesus mas connosco isso será diferente. As pessoas tendem a seguir exemplos de sucesso à imagem do que a maioria considera ser o sucesso e não segundo o que o próprio Jesus que afirmou que nem "covil" tinha onde reclinar a cabeça.

Será, incrivelmente, o nosso maior desafio; seguir Cristo e não os religiosos e a sua religião e todas as suas regras e regrinhas e utopias que nem eles são capazes de praticar.

A solidão "social" cedo veio. Felizmente, o amor da minha esposa, do meu filho e do próprio Deus compensavam largamente todos estes contratempos.


sábado, 2 de abril de 2016

A decisão estava tomada

A decisão estava tomada. Iríamos estudar na Escola Bíblica de Genève, na Suiça! Mas o que no fundo estava motivando a minha vida nesse sentido.
Claro: Deus e a sua Palavra; a Bíblia...mas também a vida de um homem que nasceu e viveu na antiga Prussia, no século XIX e marcou profundamente a minha fé. Devido a extrema necessidade da altura, George Müller (http://www.mullers.org/) sentiu-se impulsionado por Deus a erguer orfanatos na Inglaterra baseado num princípio total e humanamente irracional; não recorrer a ajuda de ninguém a não ser Deus, pela oração! 
Desde do dia em que fui encontrado por Deus, sempre senti compaixão por crianças e jovens. E talvez por ter tido uma infância e juventude muito difícil, a história deste homem mexia de uma forma inexplicável com a minha vida.

Por outro lado, a possibilidade de experimentar Deus em vez de cumprir uma série de actividades prescritas por uma religião me seduzia ao ponto que decidimos ir para Suiça sem o apoio financeiro da nossa Igreja Local. Preciso reconhecer, no entanto, que a empresa em que estava empregado não me deixou despedir-me e propôs-me um acordo de rescisão por mútuo acordo que me permitia pagar todas as despesas do primeiro ano de estudos em Genève (pensava eu!). Foi-nos prometido, no entanto, pela minha Igreja Local que nos seriam pagos os outros três anos de estudos, mas sempre no sentido de aceitarmos servir como pastores onde fosse necessário na altura.
Hoje, acho incrível o facto de sermos "capazes" de abalar assim, deixando uma situação tão estável para uma aventura supostamente divina sem sequer saber o que nos reservava o futuro. Talvez por isso o Apóstolo João afirmou "Eu vos escrevi, jovens, porque sois fortes, e a palavra de Deus está em vós, e já vencestes o maligno" na sua primeira epístola.
Olhando para trás, entendo que Deus foi misericordioso e protegeu-nos, entre outros erros, da tentação que eu tive de me comparar e de querer imitar um homem que estava tão para além do que era a minha relação com Deus.
Os ídolos não são feitos somente de materiais como a madeira ou a pedra. Podemos também criá-los no nosso coração com base em vidas de homens ou mulheres que passamos a admirar e mesmo venerar para além daquilo que é sustentável, o que nos trará dissabores que, se não for a Graça de Deus, nos levarão possivelmente até mesmo a negar a nossa fé!