Chega um tempo em que são poucos, os que a nossa volta percebem a vida como nós a percebemos. Eu chegara a essa fase.
Alguns sinais apareciam em mim que eu não conseguia perceber: cansaço, nostalgia, isolamento, insegurança, irritabilidade...
Eu falava com algumas pessoas amigas que achavam que era do meu feitio, outros achavam que tinha a ver com a minha educação, outros simplesmente lamentavam o meu negativismo.
Aqueles que eram mais "espirituais", isto é, os que achavam que já tinham alcançado um nível elevado na sua relação com Deus afirmavam peremptoriamente que não passava de uma grande falta de oração e de estudo da Bíblia e com certeza uma falha no meu envolvimento nas atividades eclesiásticas.
Minha querida mãe lamentava que eu não fosse mais parecido com um dos meus amigos que acabara por se tornar pastor e um dos líderes da nossa igreja.
Eu esforçava-me para ser mais sério, tentava deixar de ser eu próprio. Passava o meu tempo a querer mais e mais na esperança de me tornar um "grande homem de Deus".
Mas o meu mundo interior estava muito longe disso e eu nem me apercebia da grande incongruência entre o que eu refletia e o que eu ressentia.
Nessa altura, chegavam-nos dos Estados Unidos da América livros escritos por cristãos que tinham formação em psicologia. Para mim, eles foram muito importantes, e ajudaram-me a entender muita coisa sobre mim e sobre os outros também. Mas de modo nenhum eles conseguiam abafar as crises pelas quais eu passava regularmente.
Hoje, entendo claramente que já evidenciava sintomas de depressão e se não fosse a graça de Deus através dos livros desses amigos e escritores que me nutriam e consolavam com os seus conhecimentos da Palavra de Deus e da Psicologia, eu teria vivido ainda mais perplexo com a minha existência.
Diz-se que os piores assassinos se encontram entre os maus cristãos! Eu concordo, em parte, com essa afirmação. Constroem-se modelos, exigem-se perfeições que ninguém vive afim de que e se e só se evidenciarmos esses modelos e perfeições, nós seremos aceitos no grupo. O que nos leva a uma necessária hipocrisia.
Ainda hoje, eu não compreendo como podemos passar tanto tempo tão longe do exemplo de Jesus Cristo que era de uma incansável graça para os pecadores e para os seus seguidores, ele que não tinha defeito algum. Como é possível que nós, que nos identificamos como discípulos de Cristo, vivemos o contrário, estamos cheios de defeitos e carregamos as pessoas com fardos que nem nós podemos suportar...