quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Qual é o proveito de deixar tudo por amor a Cristo

Há muitas perspectivas sobre deixar tudo e mudar de vida. Muitos fazem-nos sem ser para agradar a Cristo. 
No nosso caso, e para não correr o risco de mentir, no meu caso, o que foi bom nesta experiência de deixar um emprego estável num grande companhia para ir aprender mais da Palavra de Deus e aprender a Servir melhor?
Deixar tudo, perder pontos neste mundo é talvez a experiência que mais nos pode levar a uma situação que revele, afinal, quem nós somos e em quem contamos para avançar.
Alguns vêm os empregos, as contas bancárias e os bens  como o garante da saúde da sua alma(não que eu não seja assim muitas vezes! Infelizmente). Quando deixas tudo, percebes muito melhor a Bíblia e os sermões de Jesus Cristo. De repente tudo faz mais sentido. Não é preciso ler livros e livros para perceber que a prática é "tudo", desde que nunca abandonemos a Palavra.
Ir estudar para a Suiça enfraqueceu-me, tornou-me vulnerável, dependente de Deus, dependente dos outros mas não no sentido em que há uma espera, uma expectativa, é simplesmente que sabemos que Deus terá de mexer com alguém para levarmos o nosso barco à bom porto pois já não temos mais nada para dar.
A fé Nele era a garantia mas não me garantiu um estado de super espiritualidade, muito pelo contrário, os meus podres e fraquezas sobressaíam como nunca perante os desafios para os quais eu não tinham garantias de ser capaz de ultrapassar.
Conheci realidades e pessoas que não poderia conhecer onde vivia. Pessoas que não têm nada há muito tempo mas têm tudo. Pessoas que têm tudo mas consideram isso como esterco. Pessoas que aguentam situações de muita pressão e que poderiam estar "bem na vida" mas não estão! Porquê? por amor a Deus e ao Homem.
Conheci outras mentalidades. Percebi que tudo não tem de ser como é. Que ter fé não é ser fatalista! Percebi que os títulos não querem dizer nada se não forem acompanhados de sentido. Descobri que quando não há posses, uma tarde de marcha, umas bolachas e um chá podem dar toda a felicidade do mundo e ainda podem ser partilhadas com alegria com mais umas quantas pessoas.
Descobri toda a miséria do ser humano sem Deus dentro e fora da igreja institucional. Percebi que Cristo tem de viver em nossos corações mesmo. 
Também entendi que a cultura na qual vivemos tem muita influência na nossa maneira de pensar! A nossa cultura nos cega em muitas áreas mas temos a tendência de só condenar a cultura dos "outro". Percebi que havia imensa coisa boa na cultura Suiça, se calhar, se não fosse a minha paixão por Portugal, teria ficado por lá pois o sentido das coisas serem como são e devem ser torna-se quase oxigénio para o cérebro ao fim de alguns meses.
Conheci a história de povos pelos quais eu não teria o mínimo interesse e descobri que esses povos fizeram muito pelo meu sem que eu disso tivesse a mínima noção.
Viajar com Cristo, não viajar por viajar, Ir e fazer discípulos é a melhor maneira de passar a progressivamente ser um!

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O grande erro

A equação era simples. Desistir de seguir a vontade de Deus e entrar no molde ou enfrentar tempos muito difíceis e de solidão...
Aí, de repente, foi como se toda a minha vida me passasse a frente...afinal, no meio cristão, as coisas funcionavam como nos outros sítios, interesses, razão, planeamento, necessidade, manipulações, pressões...
Não, não enganamos ninguém, aceitamos o apelo feito por Deus numa conferência missionária da nossa denominação e saímos com esse propósito que foi abençoado pela liderança!
Mas não, as coisas não são assim, a presente necessidade da estrutura era outra.
E o povo não sabe o que se passa na cúpula...
Não não percebemos na hora certa como funcionavam as coisas, senão, senão nunca teríamos embarcado. Não se trata de não querer seguir a Cristo. Trata-se de perceber que como os Católicos têm as suas tradições que os impedem de seguir só a Cristo, nós também temos as nossas.
E fugi mais uma vez. Não falei com o  nosso director para não fazer ondas e regressamos no fim do ano lectivo para Portugal e aceitamos entrar como obreiros na esperança de que as coisas mudassem depois, como por milagre...erramos!
O director não compreendeu, eu estava em choque, ele mandara uma carta para seis líderes de Portugal a denunciar meu comportamento em palavras que eu nem tenho coragem de reproduzir aqui.
Anos mais tarde, num quartinho, ele me pediu perdão e reconheceu que a nossa denominação não estava preparada para missões, que eu tinha razão na altura. Mas ninguém soube isso, ninguém viu, não foram mandadas outras cartas para os mesmos líderes a desfazer o erro...
Como eu amo Jesus Cristo! o Filho de Deus, incompreendido, injustiçado, mal tratado, morrendo só, por amor, por mim, antes mesmo que eu o perceba! Que loucura, parece desperdício! A loucura da Cruz, o amor divino contra a tolice humana...
É tão difícil dar sem interesse, é preferível construir creches para os nossos filhos, lares para os nossos velhos, centros de acampamentos para os nossos jovens do que ir longe e dar sem retorno...que loucura! Que desperdício, há tanta necessidade aqui...Ainda hoje, Portugal continua a receber obreiros de todo o mundo mas poucos são aqueles que nós mandamos. E a pobreza não é desculpa pois, por exemplo, a Suiça foi uma grande potência missionária quando ainda era pobre.
A busca pelos bons feelings, o bom "Louvor", o bom ambiente reduz nossa audição perante a voz, por enquanto, suave de Jesus Cristo que continua a ordenar: "IDE!"

sábado, 6 de agosto de 2016

Caminhos cruzados

Através do estudo e das experiências adquiridas íamos cada vez mais chegando à conclusão de que o nosso lugar seria em missões. Estávamos muito felizes pois essa já era a nossa convicção antes de partirmos para a Suiça e cada vez mais o nosso coração ardia por fazer parte do trabalho missionário em qualquer parte do mundo, se bem que o nosso coração ardia por concelhos ainda não alcançados de Portugal.
Depois daquela infeliz situação da escolha do nosso director de estágio, escolhemos então um pastor de Marselha que trabalhava em equipa numa pequena igreja dos irmãos e que fazia trabalho de rua e trabalho com música.
Estávamos muito entusiasmados. Um dia recebemos a visita de um pastor Suíça que pertencia a nossa denominação que nos perguntou quais eram os nossos planos. Explicamos, eufóricos, como quereríamos passar o estágio de segundo ano, cientes de que era essa a vontade de Deus. Ele ouviu-nos atento e retirou-se após uma breve conversa.
Nós recebemos a indicação de que deveríamos fazer um orçamento das nossos futuras despesas para que comunicássemos claramente à nossa igreja o sustento que iríamos precisar. O que fizemos com muito trabalho e dedicação de forma a não defraudar as muitas pessoas que nos iriam apoiar.
Eis senão quando, um dia, recebemos um telefonema do nossa pastor em Portugal com uma voz bem severa afirmando de que a necessidade da nossa denominação era de pastores e não de missionários e que teríamos de fazer o estágio com um pastor e ele tinha de ser da nossa denominação e por acaso, esse Senhor era quem nos tinha visitado alguns tempos antes.
O problema é que precisávamos da ajuda que nos prometeram para os próximos três anos só era válida se fôssemos por este caminho.
Ficamos aterrado...o director já nos tinha avisado de que estas coisas poderiam acontecer e tinha-nos pedido que o avisássemos se isso acontecesse. Nós nós tivemos coragem. Ficamos em choque, o que seria de nós agora, o que fazer, como proceder.
Ainda tivemos forças para entregar o orçamento, pois poderíamos vir a receber ajuda das igrejas Suíças, mas entendemos, de repente que a nossa situação estava bastante complicada.
Tínhamos gasto todo o nosso dinheiro nesse ano na Suiça pois tudo era imensamente caro para um Português.
O que fazer, obedecer à chamada ou à vaga de emprego disponível...

sexta-feira, 22 de julho de 2016

O meu professor preferido

No meio de tanta gente, era natural que eu me identificasse mais com algumas pessoas. Neste caso, foi um professor que era um autêntico bálsamo para a minha vida.
Ele sabia do que falava mas o que mais nos maravilhava eram os seus exemplos de vida, exemplos das suas experiências na implantação de Igreja. Encontros com todo o tipo de pessoas, passos de fé, inícios de novas igrejas na França profunda onde a cultura pouco mudou, onde parece que o ar que se respira ainda é medieval. Onde se fazem festas nos bosques e onde a bruteza do povo é tão desagradável como agradável é a sua autenticidade.
Ele e a sua esposa expunham-se a incursão perigosa, nas sua fragilidade e na consciência da força do seu Deus e do seu amor e interesse em reconciliar-se com a sua Criação.
Mas como se chega aí, lembro-me de que tudo começou com um acto de rebeldia, deixara sua família e na altura dos hippies andou por aí perdido, já depois de ter tido uma experiência com Cristo.
Um dia, em plena Ásia, um missionário amigo do seu pai encontra-o completamente perdido e lembra~lhe quem ele é e trá-lo de regresso à casa. 
Nada será mais como antes, ele entregou a sua vida como servo de Deus, e na companhia da sua fiel, firme e forte esposa, começa a sua grande aventura. Algo que me tocou imenso é que desde o início, sua irmã será uma das principais responsáveis pela sua manutenção financeira nesta obra.
A Fórmula era simples, todos os dias, Tempo com Deus e a Sua Palavra e trabalhos práticos e à tarde saia por aí e procurava as ovelhas perdidas, Mas não sou ele evangelizava como também recebia pessoas em casa, com problemas diversos, durante algum tempo, tempo de reencontrarem o seu caminho com Deus e o seu caminho na sociedade onde viviam.
Chegou a hora de escolhermos o professor com quem faríamos o nosso estágio e antes de me dirigir a ele, no dia seguinte, pedi conselho ao amigo da turma com quem viera de Portugal, Ele achou interessante a ideia. Mas quando no dia seguinte me dirigi ao professor manifestando o meu desejo, descobri que o meu amigo já tinha falado com ele alguns minutos antes e acertado então, o estágio...Fiquei a saber anos mais tarde que esse amigo achou a experiência totalmente desinteressante e eu nunca percebi por que isto tinha acontecido mas no entanto eu sei que nada foge ao controlo do meu Salvador e Senhor! Mas que doeu, doeu!

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Eu irei e te obedecerei!

O Ensino que recebíamos era cru e nu. Não se tratava de formar intelectuais da religião, filósofos ou pregadores amantes de teologia sem Deus. O Objectivo era amar e servir Deus no meio das coisas pequenas e nos contextos mais inusitados.
Certa vez, perante as nossas mais diversas e tolas teorias que assentavam na meritocracia dos missionários,o director da escola contou uma história. Era a história de dois amigos que tinham estudado juntos numa escola bíblica para poderem servir à Deus, um deles tornou-se um pastor e um grande pregador para multidões, o outro foi servir numa pequena tribo num lugar remoto e fora logo morto pela mesma. 
"Qual terá sido a falha?" perguntou o nosso director. Sucedeu-se um grande debate, uns defendiam a falta de oração, outros a falta de estratégias, enfim, depois de defendermos todos os nossos argumentos ele explicou que os dois tinham sido fiéis e tinham cumprido a vontade de Deus nas suas vidas e que não poderíamos medir o sucesso da maneira como ele é medido no mundo empresarial ou associativo. E passou a citar exemplos de servos e servas de Cristo que não conheceram o sucesso como não estávamos habituados a defini-lo. Homens e mulheres que era perseguidos, ignorados, desprezados, humilhados por amor a Cristo. O desafio era morrer para o espírito heróico de Hollywood e "experienciar" o Espírito de entrega abnegada vivida por Cristo entre nós.
Um silêncio frio se instalou na sala, incompreensão e mesmo alguma não aceitação desse discurso que nada tinha a ver com os nossos megalómanos planos de "conquistar" o mundo para Jesus...
Seríamos nós capazes de pastorear um pequeno rebanho de pessoas humildes na França profunda, ser perseguidos por pregar a verdade numa igreja que se considera inovadora, ser perseguidos numa cidade muito religiosa, ser abandonados pelos que amamos por ser "fundamentalistas", deixar os que mais amamos por amor aqueles nem percebem o nosso amor...
Voltamos para os nossos quartos cientes do carácter único deste discurso, faltava-nos fazer as contas da obra que nos esperava afim de ponderarmos se o preço a pagar era, por  nós, suportável.
Agora percebia porque um velho amigo meu dizia que mentíamos muito durante os cânticos quando dizimamos, " Eu te seguirei", "te obedecerei", ele dizia que éramos todos como Pedro, que afirmou que mesmo que os outros deixassem Cristo ele permaneceria fiel e acabou por negá-lo três vezes...
Eu, um dos meninos bonitos da minha congregação, ainda tinha muito que desaprender afim de começar a perceber o que era seguir a Cristo por Cristo! Essa aprendizagem numa mais terminou...

sábado, 2 de julho de 2016

Geração de Ouro

Nenhum professor vivia exclusivamente do ensino. Eles provinham do terreno. Eram pastores, missionários ou simplesmente líderes de algum ministério nas suas igrejas locais ou organizações.

Mas aqueles, os mestres, que marcaram ainda mais a minha vida de estudante eram os idosos da primeira geração do nosso movimento; uns tinham sido missionários em Marrocos onde foram perseguidos por pregar o Evangelho (um até foi mesmo esfaqueado na mercado), outros tinham estado no Nepal, ainda outros em vários países de África Negra, enfim, os relatos desencadeavam-se num frenético, emotivo e engajado discurso que seria digno de zombaria em qualquer das igrejas suíças daquela altura!

Que maravilha ser exortado por aquela linda Senhora que me apontava o dedo em sinal de ameaça dizendo que quem põe a mão no arado não deve voltar para trás!
Eu ouvia embasbacado tudo aquilo. Eles agora estavam a tirar um curso sobre como "Saber morrer"; isto é, como tratar das coisas da melhor de forma com vista a deixar as suas famílias em paz; as heranças, os litígios, o pagamento dos seus próprios futuros enterros, que amor!...

Na nossa escola vivia um casal de ex-missionários, ele tivera sido,também ele, filho de missionários que o deixaram num orfanato afim de irem evangelizar o Nepal.
Porque sofrera muito com isso e depois de ser por sua vez missionário em África, deixara esse continente para vir educar a sua filha e não fazer com ela o que tanto o fizera sofrer.
A ironia da vontade de Deus quis que quando ela chegou a maior idade, quis ser missionária também ela imaginem onde?...Em África! Ele ficaram cá ajudando em tarefas práticas na propriedade pois não possuíam sequer uma casa para acabar a sua vida...Quando estávamos tristes, eles nos consolavam, e diziam muitas vezes que aprenderam a amar e a viver com o povo africano!

Hoje, quando olhe para o panorama dos ministros de Deus, vejo o quanto Deus é defraudado; Passamos de servos à vedetas, de escravos de Cristo à gestores de organizações e recursos humanos, orientamos nossas carreiras, futuros e até reformas muitas vezes muitas acima da média da Igreja Local...



quarta-feira, 22 de junho de 2016

Português em Genebra

Nunca pensei precisar de SER Português em Genebra. Por ser convencido, inconsciente ou simplesmente distraído...
O que é certo é que, depois de algumas semanas, só pensava em Portugal...
Primeiro, procurei os estabelecimentos portugueses...o café dos portugueses, a mercearia, o Clube Spor Genève e Benfica...
A bica, o Pastel de natas, o Sumol e a Visão não me saiam da cabeça...
Certo dia...dia de jogo da Selecção, tive a brilhante ideia de convidar dois amigos para ir ver o jogo ao Clube dos Portugueses. Tudo estava a correr lindamente quando, de repente...

GOLO de PORTUGAL!!!!!


E aí foi o descalabro, os meus amigos entraram em pânico, cada um ficou mais branco do que o outro! E rogaram-me que fugíssemos dali, pois, consideravam que não estavam reunidas as mínimas condições de segurança e lá vieram as avaliações, considerações que tal situação exigia...

Viver Portugal lá fora é um pouco como ter o privilégio de ter uma parte de nós próprios que não envelhece. Vive-se a Portugalidade do tempo em que os nossos pais saíram do nosso país. Se bem que para quem está cá isso pode ser motivo de zombaria, para eles, isso é assim ponto! E o desfruto dessa estabilidade é de um gozo enorme.

O meu caso é só um pouco pior, já não sou emigrante, e nunca serei como os que nunca saíram daqui...O certo talvez seria reemigrar para ter o privilégio de ser igual aos outros...

Felizmente tenho o recurso de ser um cidadão do céu pela Graça de Jesus Cristo. Faço parte de um novo Povo, um novo Reino, uma nova Identidade que não tem em conta a minha naturalidade nem a minha nacionalidade...

 

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Um campo de batalha

A turma era composta  de várias nacionalidades e naturalidades e como é claro, cada um tinha um grau de educação e formação bem diferente. Havia professores, um pedreiro, estudantes e até uns desempregados...
A lógica dos trabalhos práticos começou logo a chocar alguns de nós pois delegaram a liderança das equipas a quem tinha menos estudos ou era menos carismático. O que logo levantou protestos da parte dos que se consideravam mais adequados para a tarefa. Ainda me lembro de um engenheiro que barafustou contra esta lógica "improdutiva". Acabou varrendo folhas em cima da neve, revoltado com tamanha humilhação. Eu ria-me por dentro mas também haveria de chegar a minha vez de ser posto à prova.
Eram surpresas atrás de surpresas. O nosso director era  muito vivido e chegava para nós todos ao mesmo tempo. Era um grande gestor de projectos, de finanças e de pessoas. Esta linda casa plantada neste lindo país mas parecia, por vezes, um campo de batalha. Mas a maior batalha era travada dentro de nós. Tudo era concebido para moldar o nosso carácter, para aprendermos a obedecer deixando os "achismos" de lado e os nossos sonhos afim de que vencesse o trabalho em equipa em vista de um alvo comum.

Eu lutei bastante com uma coisa extremamente simples e que nenhum dos meus colegas conseguiu compreender ou que eu nunca fui capaz de explicar. Revoltava-me com a opinião deles de que a priori, eles tinham de estar logo mais certos do que nós, os latinos, porque os seus países demonstravam essa verdade pela sua situação de riqueza a todos os níveis.  Ele achavam estranho a minha atitude e alguns até manifestavam o seu espanto visto que nunca tinham conhecido, até a data, um português que discordasse ou que não fosse super simpático e obediente. Só o facto de eu discordar irritava-os. Acabei por deixar de dar as minhas opiniões e optar pela hipocrisia do "está tudo bem!" como eles tanto gostavam.
O meu primeiro grande desgosto ia no sentido de me aperceber de que as origens e as classes sociais tinham tanta importância no corpo de Cristo, a Igreja. Lá no meu grupinho de jovens, no Algarve, nós éramos todos iguais mas parecia que isso, afinal, não era bem assim...
A justiça de um homem, o nosso director, norteava a minha vida na escola. Como é possível existirem pessoas que, por amor a Cristo, se sujeitam a este desafio que é fazer discípulos até mesmo com pessoas tão tortas como eu era e sou!

sábado, 4 de junho de 2016

Genève!

É difícil descrever uma cidade como Genève. Nem me vou arriscar a dar uma descrição fidedigna desta cidade pois tenho a certeza de que não seria capaz. Ainda por cima, eu tenho uma  aproximação das coisas mais intuitiva do que factual.
Gostaria então, simplesmente, de transcrever o que eu senti durante os primeiros dias nessa linda cidade.
Logo no início das aulas, fomos visitar locais históricos como o monumentos dos reformadores, a bíblia impressa mais antiga do mundo, a igreja em que pregou Calvino e a Universidade de Genève...


A sensação era excelente. Parecia que estávamos a viver dentro de um postal. O ambiente era diferente. Tudo muito arrumado e educado.
Mas, no que dizia respeito ao que me levava ali, nada... Só aí percebi como o protestantismo realmente passara para a história. O seu espírito, o espírito da reforma constante, da inconformidade com os interesses humanos, que vão contra a Palavra de Deus, nada...
Tudo muito "arrumadinho", tudo muito classificado, tudo muito resolvido. Era uma espécie de museu ao ar livre em que as ideias se resumiam a preservação do que fora deixado.
Felizmente, na Escola Bíblica em que estudávamos não era assim, mas chocava-me perceber que nós representávamos uma gota de água no meio de um oceano de tradição e acomodação.
Cheguei a falar posteriormente com idosos da Suiça Alemã que consideravam Genève a "Prostituta da Suiça" pois eles afirmavam que se estava a vender em troco de riqueza através dos seus bancos, do seu comércio de luxo e do seu turismo à custa dos valores que não mais defendia!
Mas continuava a ser impressionante a ética que ainda se auferia devido ao passado glorioso desta cidade. Quando começamos a perceber a lógica dos impostos, da exigência, do rigor e o que se ganha com isso, passamos a não ter muita vontade em voltar para o nosso caos latino!
Mas eu não me sentia bem em deixar Portugal, era como se estivesse a vender-me, também eu. Não fora isso que me trouxera por cá. E então, rapidamente, entramos no Estudo profundo da Palavra de Deus e no serviço cristãos sob todas as suas formas com vista à transformação do nosso carácter...

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Choque inesperado

Eu achava que por ter nascido e vivido 15 anos em França, eu estaria preparado para o que aí vinha. Nada disso! A Suiça não tem nada a ver com a  França, ou melhor, a Suiça de 97 não tinha nada a ver com a França de 1972 à 1987! Ah pois é.
É tremendo como nós construímos as nossas cosmovisões sem darmos por isso. Eu todo confiante de que, lá na Suíça, seria fácil, muito mais fácil do que acolá; na África, na Ásia ou na América do Sul...Mas não, nada disso, não tinha muito de francês e muito menos de Suíço e ainda menos de pessoa de "boa educação"...
Eu pretendo que fui bem educado pela minha querida mãe, Dona Maria Celina Pereira do Cerro, mas faltava algo, e ainda bem, a preparação para a educação hipócrita do "fica bem dizer" em vez de dizer o que nos vai na alma com amor!
Fonix, tanta regra, dentro e fora da escola. Impostos até para usar rádio! Imaginem, o director veio ter connosco a comunicar que as autoridades tinham DESCOBERTO(como se alguém estivesse a esconder...) que nós estávamos a usar um mero, pequeno e débil rádio...estávamos a fugir a um imposto! Tínhamos de pagar um taxa, tal como também teríamos de pagar uma taxa para usarmos uma bicicleta na via pública...
Encontramos, um dia nas festas de Genève, um rapaz de nacionalidade Brasileira que afirmou que fora multado de toda a sorte de multa que poderíamos pensar ou imaginar e as quais, ele nem seria capaz estipular ou mesmo até de enunciar! 
Não foi fácil perceber a lógica deles, mas claro, como bom Português, ao fim de alguns meses, entramos na ordem das coisas deles, à maneira deles mas sem as tradicionais "abébias" que nós costumamos dar em Portugal quando eles precisam de ajuda...
Tudo muito racional, tudo muito santo, e nós cada vez mais a pensar...o que é que nós fazemos aqui...
Para vos dar um pequeno exemplo; a Cristina, certo dia , tinha de ir pôr a roupa a lavar  na cave da escola, mas ela tinha o nosso Samuel de dois anos no colo e umas escadas íngremes para descer. O que era óbvio fazer, para ela, numa situação destas, levar o cesto de roupa até lá, depositá-lo e voltar ao quarto para ir buscar o nosso menino afim de não o deixar sozinho. 
Nada disso, estava tudo errado, apreenderam o cesto de roupa por exposição indevida de roupas íntimas, enquanto fora busca o menino e ficou apreendido até novas ordens!
Eu sei, não sou melhor que ninguém mas como dizia a nossa Amália: "Estranha forma de vida", neste caso, eu percebi que nunca percebera o que passaram os meus pais nestes países "iluminados" e esquecidos de que também eles foram alvos da Graça de Deus em certa altura...

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Ao chegar à Escola Bíblica, batemos a porta da mesma. E nada...nada e por fim, um homem de baixa estatura veio à porta e nos recebeu dizendo que iria falar com a responsável para nos encaminhar até aos nossos novos aposentos.
Eu tive pena do senhor. De cabelo grisalho, coxeava acentuadamente. Enfim, de resto, tudo muito tranquilo e até austero. Esperamos até que que uma jovem Senhora nos levasse até ao último andar, no sótão do lado direito de uma lindíssima casa do Século vinte, acomodado para receber um casal, construída pelo fundador H.E. Alexander que, após o "despertamento" de Gales viera para Genève e aí se instalou para posteriormente fundar um movimento que haveria de ter o nome de Action Biblique, isto é Acção Bíblica. Este movimento não visava criar igreja alguma mas somente expandir o evangelho pelos quatro cantos do mundo.

Na altura em que  chegávamos. A Acção Bíblica já não tinha poder social e económico para manter uma escola com tamanha envergadura. Fora então criada uma "aliança de sal" entre várias igrejas suíças e francesas de modo a formar, por meio desta escola, servos afim se partirem para o contexto francês como pastores, missionários e colaboradores de pequenas igrejas nascentes num país em que o ateísmo e os espiritismo ainda eram dominantes.
Era difícil escaparmos ao encanto deste meio em que os verde da paisagem contrastava com o castanho dos esquilos e o vermelho dos Ferrari que passavam à nossa frente, pois a escola fora implantada numa área agrícola e pobre de Genève e ficava agora cercada por um campo de Golfe e uma bairro residencial de Luxo que contratava imenso com os nossos humildes desafios...
O Homem de baixa estatura que nos viera abrir  a porta era nem mais nem menos do que o director da Escola. A minha pena logo se transformara em vergonha ou pelo em menos em desconforto pois sabia que tinha acabado de confundir um recepcionista com um homem que já fora Director de uma Universidade em Paris, um grande líder da Operação Mobilização e o responsável por grandes movimentos de evangelísticos em toda França!...

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Papa Cerelac

Nossa viagem para a Suiça correu bem. Fomos acompanhados por um casal suíço que estava de férias em Portugal e que também iria estudar na mesma Escola Bíblica que nós. A única diferença é que eles tinham um belo Volkswagen Passat e nós lá íamos com o nosso Peugeot 205 com 900 de cilindrada, um bebé e muitas bagagem!
Nossa chegada à fronteira foi logo muito engraçada. Imagino os funcionários da Fronteira Suiça ao verem chegar o nosso carro com o rabo quase a tocar no chão e a dianteira a apontar para o céu carregado que nem um ovo Kinder e um barbudo escuro ao volante!
Enfim...escusado será dizer que nos mandaram logo parar e que nos obrigaram a ir para uma sala afim de descarregar e abrir todas as nossas malas. Até nos pediram para separar os pares de meias. A coisa estava feia.

Senti-me logo bem acolhido. Ainda por cima, tinha tido uma ideia fantástica. Levamos muitos pacotes de papa Cerelac e para ocuparem menos espaço, retiramos as caixas de cartão e pusemos apenas o sacos cor alumínio dentro de uma mala de executivo. Imaginem...o olhar do guarda...parecia que ele já visualizava a sua promoção e o título dos jornais "Guarda fronteiriço apreende uma enorme quantidade de droga com proveniência de Portugal". Ele perguntou o que era aquilo. Eu respondi que era Cerelac e perguntei-lhe se queria provar. Garanti-lhe que era muito saboroso e que pertencia à Nestlé. A graça não produziu o efeito desejado.O ambiente ficou tenso e ordenou-nos de recarregar tudo sozinhos e rapidamente. Foi um grande desafio, nós cansados de uma viagem de dois mil e tal quilómetros, ainda por cima que cada coisa tinha sido meticulosamente encaixada como se estivéssemos a jogar ao saudoso Tetris. Agora o carro parecia um ovo Kinder, só que já mastigado!
Fui mandado parar tantas vezes naquela fronteira que, ao fim de alguns meses, quando lá passava, os guardas já se riam e faziam-me adeus.
Nossa primeira experiência neste lindo país fora prometedora,o que mais nos iria acontecer...

domingo, 15 de maio de 2016

Watchman Nee

Tive um encontro, numa das minhas leituras adquiridas na biblioteca da minha igreja local, que originou uma mudança definitiva na minha vida.
O autor tinha por nome Wachmann Nee. Não vou tentar apresentar-vos o personagem. Apenas posso explicar que tudo o que já sentia estava escarrapachado nas folhas dos seus livros. Claro que muita coisa, com certeza, passou-me ao lado mas algo permaneceria para sempre; A Palavra de Deus era tão manipulada por nós como pelos nossos "inimigos".
Ele tivera, na altura, na china, de combater pelo Evangelho como também contra o poder dos missionários estrangeiros que vinham evangelizar e também, em certo sentido, "colonizar" o povo chinês da altura.
Este homem levava literalmente coisas como o facto de a Igreja de Cristo não poder ter nome, denominação ou dono. Mas, na realidade, o que acontecia no seu país diferia muito desta verdade.
Aqueles que tinham a Palavra e a moeda forte mandavam e desmandavam sem ter em conta os de lá.
Isso trazia grande conforto à minha alma que ficava confusa com tantos nomes de igrejas e tantas opiniões verdadeiras.
Jesus que deixara, dizemos nós, a sua Palavra Divina optou por não especificar tanto como nós a côr da nossas congregações.
Paulo dirigia-se à Igreja de Cristo que estava na tal ou tal cidade e não à Igreja X que está mais certa que a Y, que tem melhor doutrina e melhor estratégia ou mesmo até pessoas mais cultas ou santas...
Horrível me foi observar, na altura, que Watchman Nee morrera só! Aí percebi algo que me gelou o coração. Tanto os corruptos líderes têm culpa como o corruptos seguidores que têm por único alvo seguir e manter uma religião que não passe de um clube e que não os confronte às verdades de Cristo.
Mas, no fundo, eu tinha a esperança de que Esse irmão estivesse apenas a colher os frutos de uma semente demasiada extremista, pois ele achava que deveríamos deixar as igrejas oficiais afim de nos reunir em casas, informalmente, deixando que Deus conduzisse o seu povo de uma forma relacional e não institucional.
Sempre foi um desafio enorme, para o povo de Deus, depender apenas do seu Deus e não de substitutos, sejam eles religiões, deuses, amuletos e afins...
Viver apenas pela fé em Jesus, pelo seu Evangelho apenas, por amor dos mais fracos apenas, sem ter como alvo o "progresso humano" e o " sucesso religioso". Diminuir afim de que somente Deus fosse o alvo e a origem da glória no meio daqueles que se auto-nomeiam de Cristãos...

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Meus conselheiros, meus livros

Chega um tempo em que são poucos, os que a nossa volta percebem a vida como nós a percebemos. Eu chegara a essa fase.
Alguns sinais apareciam em mim que eu não conseguia perceber: cansaço, nostalgia, isolamento, insegurança, irritabilidade...
Eu falava com algumas pessoas amigas que achavam que era do meu feitio, outros achavam que tinha a ver com a minha educação, outros simplesmente lamentavam o meu negativismo. 
Aqueles que eram mais "espirituais", isto é, os que achavam que já tinham alcançado um nível elevado na sua relação com Deus afirmavam peremptoriamente que não passava de uma grande falta de oração e de estudo da Bíblia e com certeza uma falha no meu envolvimento nas atividades eclesiásticas.
Minha querida mãe lamentava que eu não fosse mais parecido com um dos meus amigos que acabara por se tornar pastor e um dos líderes da nossa igreja.
Eu esforçava-me para ser mais sério, tentava deixar de ser eu próprio. Passava o meu tempo a querer mais e mais na esperança de me tornar um "grande homem de Deus".
Mas o meu mundo interior estava muito longe disso e eu nem me apercebia da grande incongruência entre o que eu refletia e o que eu ressentia.
Nessa altura, chegavam-nos dos Estados Unidos da América livros escritos por cristãos que tinham formação em psicologia. Para mim, eles foram muito importantes, e ajudaram-me a entender muita coisa sobre mim e sobre os outros também. Mas de modo nenhum eles conseguiam abafar as crises pelas quais eu passava regularmente.
Hoje, entendo claramente que já evidenciava sintomas de depressão e se não fosse a graça de Deus através dos livros desses amigos e escritores que me nutriam e consolavam com os seus conhecimentos da Palavra de Deus e da Psicologia, eu teria vivido ainda mais perplexo com a minha existência.
Diz-se que os piores assassinos se encontram entre os maus cristãos! Eu concordo, em parte, com essa afirmação. Constroem-se modelos, exigem-se perfeições que ninguém vive afim de que e se e só se evidenciarmos esses modelos e perfeições, nós seremos aceitos no grupo. O que nos leva a uma necessária hipocrisia.
Ainda hoje, eu não compreendo como podemos passar tanto tempo tão longe do exemplo de Jesus Cristo que era de uma incansável graça para os pecadores e para os seus seguidores, ele que não tinha defeito algum. Como é possível que nós, que nos identificamos como discípulos de Cristo, vivemos o contrário, estamos cheios de defeitos e carregamos as pessoas com fardos que nem nós podemos suportar...

sábado, 23 de abril de 2016

Ainda se fosses o Figo!

Passa-se a vida a dizer aos jovem para investirem no que é mais belo. Que sejam pessoas melhores. Nos círculos religiosos como é o meu, falava-se em ir para missões, levar o Evangelho pelo mundo ao que ainda não conhecem Jesus, servir aos que nada têm...
Pois...
O que mais me custou nesta altura, em que decidimos deixar a nossa estável situação, nossas queridas famílias e os nossos amigos foi descobrir que fora das quatro paredes da igreja muitas das mesmas pessoas que mantinham este discurso o invertiam automaticamente fora delas.
"Pensa bem!"
"Será que isso vem de Deus!"
"Olha que tens um bom emprego!"
"Também podes fazer missões na tua terra!"
...
Mas houve uma frase que me intrigou profundamente e que era mais ou menos assim:
"Ainda se fosses um Figo (penso que na altura era o Figo...) e fosses ganhar milhões mas agora sair daqui e nem sequer saber se vais ter emprego quando voltares!"

Os piores inimigos estão ao nosso lado, são-nos próximos, que o diga o próprio  Jesus Cristo!
Felizmente, ainda hoje, não trocaria um minuto dessa altura da minha vida por toda a vida do Figo ou hoje em dia do Sr. Cristiano Ronaldo!

O que é certo é que foi uma das alturas em que perdi mais "amigos". Passamos a ser vistos como "estranhos fanáticos", isto dentro da própria igreja.

Impressionante é o facto de acharmos que isso aconteceu com Jesus mas connosco isso será diferente. As pessoas tendem a seguir exemplos de sucesso à imagem do que a maioria considera ser o sucesso e não segundo o que o próprio Jesus que afirmou que nem "covil" tinha onde reclinar a cabeça.

Será, incrivelmente, o nosso maior desafio; seguir Cristo e não os religiosos e a sua religião e todas as suas regras e regrinhas e utopias que nem eles são capazes de praticar.

A solidão "social" cedo veio. Felizmente, o amor da minha esposa, do meu filho e do próprio Deus compensavam largamente todos estes contratempos.


sábado, 2 de abril de 2016

A decisão estava tomada

A decisão estava tomada. Iríamos estudar na Escola Bíblica de Genève, na Suiça! Mas o que no fundo estava motivando a minha vida nesse sentido.
Claro: Deus e a sua Palavra; a Bíblia...mas também a vida de um homem que nasceu e viveu na antiga Prussia, no século XIX e marcou profundamente a minha fé. Devido a extrema necessidade da altura, George Müller (http://www.mullers.org/) sentiu-se impulsionado por Deus a erguer orfanatos na Inglaterra baseado num princípio total e humanamente irracional; não recorrer a ajuda de ninguém a não ser Deus, pela oração! 
Desde do dia em que fui encontrado por Deus, sempre senti compaixão por crianças e jovens. E talvez por ter tido uma infância e juventude muito difícil, a história deste homem mexia de uma forma inexplicável com a minha vida.

Por outro lado, a possibilidade de experimentar Deus em vez de cumprir uma série de actividades prescritas por uma religião me seduzia ao ponto que decidimos ir para Suiça sem o apoio financeiro da nossa Igreja Local. Preciso reconhecer, no entanto, que a empresa em que estava empregado não me deixou despedir-me e propôs-me um acordo de rescisão por mútuo acordo que me permitia pagar todas as despesas do primeiro ano de estudos em Genève (pensava eu!). Foi-nos prometido, no entanto, pela minha Igreja Local que nos seriam pagos os outros três anos de estudos, mas sempre no sentido de aceitarmos servir como pastores onde fosse necessário na altura.
Hoje, acho incrível o facto de sermos "capazes" de abalar assim, deixando uma situação tão estável para uma aventura supostamente divina sem sequer saber o que nos reservava o futuro. Talvez por isso o Apóstolo João afirmou "Eu vos escrevi, jovens, porque sois fortes, e a palavra de Deus está em vós, e já vencestes o maligno" na sua primeira epístola.
Olhando para trás, entendo que Deus foi misericordioso e protegeu-nos, entre outros erros, da tentação que eu tive de me comparar e de querer imitar um homem que estava tão para além do que era a minha relação com Deus.
Os ídolos não são feitos somente de materiais como a madeira ou a pedra. Podemos também criá-los no nosso coração com base em vidas de homens ou mulheres que passamos a admirar e mesmo venerar para além daquilo que é sustentável, o que nos trará dissabores que, se não for a Graça de Deus, nos levarão possivelmente até mesmo a negar a nossa fé!



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Foi o período em que, talvez, eu me senti um pessoa normal e porque não dizê-lo, até certo ponto, sentia-me um exemplo. Imagino que o leitor poderá achar que eu era bem arrogante e de certa maneira eu penso que o era, se bem que de uma forma inconsciente. Éramos um casal jovem, saudável, lindo(eheh) e tínhamos um filho perfeito. Eu tinha um bom emprego. Éramos activos na nossa comunidade. Enfim tudo ia andando sobre rodas.
Lembre-me, por vezes, de ficar intrigado por ser confrontado com vidas de amigos, familiares ou colegas que eram difíceis, cheias de problemas, doenças e dificuldades de toda a ordem. Comecei a pensar que era possível que tivesse sido escolhido para ser uma referência, aliás, isso era-me afirmado várias vezes por pessoas que nos conheciam.
Bom, havia um senão, o meu trabalho era difícil para mim, não tinha nada a ver com as minhas qualidades. Eu não era práctico. Não consegui evoluir. Não tinha jeito para a matemática, para a lógica e a orientação no espaço era-me muito complicada. Nós reparávamos avarias de cabos telefónicos. Eu sentia-me como um rato da cidade não meio de um imenso campo cheio de obstáculos que eu nem conseguia reconhecer quanto mais combater...
E aí vem a Bomba...O líder da nossa igreja desafia-nos a pensar em ir estudar para uma escola bíblica a tempo inteiro. O nosso pequeno mundo "perfeitinho" foi abanado. Isso implicava deixar o nosso emprego, a nossa família, os nossos amigos e até o nosso país. O objectivo era crescer como pessoas, como líderes e como conhecedores da Palavra de Deus.
Que luta começara no mundo dos nossos pensamentos. É incrível como um dado pode transtornar toda uma estrutura. Nosso líder explicava que esta "obra" tinha de ser fundada na fé em Cristo e não nas nossas capacidades. Eu achava extraordinário o facto de poder ter mais tempo para dar aquilo que mais mexia comigo.
A Cristina apoiava-me. Nós tínhamos a convicção de termos sido chamados a ser missionários numa conferência, na Suiça, que se destinava justamente a desafiar jovens de vários países a entregarem as suas vidas à obra missionária em todo o mundo!
Sentíamos grandes lutas, indecisões: porquê nós? seríamos nós capazes? nossos dons encaixariam na exigências das tarefas que seriam esperadas? Parecia que a necessidade era mais pastoral do que missionária e não nos víamos como um casal que ficaria a frente de uma igreja local já implantada...
O que iríamos decidir, qual era a vontade de Deus nisto tudo? Tínhamos mais umas semanas para tomar todas as providências e assim iniciarmos, ou não, a grande aventura das nossas vidas...

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Baby´s Power

É incrível o poder que tem um bebé à sua volta.
Quando menos esperávamos, familiares, amigos e vizinhos derretiam, só de nos ver, ou melhor, só de verem o nosso bebé.
Beijinhos, abraços e prendas...e nós, derretidos diante de tanto reconhecimento. 
Ainda não percebi, claro que por falta de conhecimento, porquê tanto alarido. Quando eles são maiores e se por ventura eles cometerem algum erro ou simplesmente um acto menos honroso, essa admiração dá logo lugar à crítica mais feroz...
Enfim, vivíamos tempos de graça. Como só eu trabalhava fora na altura, a Cristina era a sacrificada. Além de ficar em casa e não ter praticamente convívio com adultos, ainda passava boas partes da noite à cuidar do Samuel.
Acho que foi o primeiro real quebrantamento que experimentei na minha vida. O facto de ver um ser tão querido e frágil com a primeira febre, a primeira diarreia e a primeira inflamação. Enfim, tudo era questão de vida ou de morte. mas a vida continuava e a práctica da minha esposa de cuidar da irmã mais nova com quinze anos de diferença (salvo erro) ia nos safando da nossa total inexperiência.
Nunca tive a menor apetência por bebés ou crianças, mas o primeiro sorriso do meu filho deu origem a minha sensibilidade por estes seres tão maravilhosos e horríveis ao mesmo tempo...
O cocó, as noites, os vómitos e as febres começaram a despertar em mim as primeiras interrogações acerca da vida "normal" dos pais. Seria possível que uma pessoa abençoada ter o mesmo tipo de problemas familiares do que uma família que não tivesse convidado Deus a fazer parte da  sua vida?
Não admira que uma grande parte dos religiosos exemplares deste mundo não tenham uma vida familiar normal. Não é de estranhar que não se sujeitem à normalidade da sujeição perante a erosão da humanidade da vida.
Estava longe de estar preparado para tal "insignificante" vida. EU queria mudar o mundo. Mas enfrentava o meu maior desafio que era cuidar do meu.
O homem é uma criança até entender que deve morrer para a caça, para a guerra e para as suas amizades fúteis. Infelizmente, só a fraqueza , muita vezes, consegue interpelar-nos, nós os grandes machos da nossa rua, à pensar mais nós(família) e menos Eu(herói de cocó).
Aí estávamos nós felizes e ignorantes de tantos desafios que iríamos enfrentar e que desafios...