segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Tudo concorreu juntamente para que eu ficasse numa situação de extrema incompreensão. Pais, família, amigos, tudo se evaporou. Por distância, por opção, por vergonha, por desconfianças...Que culpa tínhamos nós.
Tornei-me revoltado, estudioso, dedicado ao Futebol. Intrépido na defesa, ou passava a bola ou passava o jogador...
Vivia com o meu mundo interior destroçado, sem futuro...Comecei a agarrar-me ás más companhias, como o álcool em excesso, por exemplo.
Comecei a ficar cada vez mais dividido entre as atitudes que eu sabia serem certas e  que cada vez menos menos eu praticava e as erradas que eu eu não conseguia evitar.
Felizmente, fiz amizade com um jovem, nessa altura, que era da minha turma, que não era como os outros. Tinha paciência comigo. Eu podia desabafar com ele. Abrir meu coração sem ser julgado, sem que ele tivesse pena de mim. Pelo contrário, ele ria sem fazer pouco de mim. Tinha fé em mim. Tinha esperança no futuro. Não tinha paciência por ser fraco, pobre ou feio pois era um jovem bem visto na Escola. Muitas meninas estavam apaixonadas por ele. Vestia-se bem. Era de boas família.
Um dia convidou-me a ir a um acampamento para Jovem numa Quinta que ficava a  poucos quilómetros da nossa cidade. Mas tinha de se pagar e nós não tínhamos possibilidades. Felizmente ele arranjou quem pagasse e me permitiu assim falar com a minha mãe sobre o assunto.
Minha mãe aceitou por se tratar de uma família respeitada. Eu fiquei contente, motivado mas também angustiado. Nunca tinha ido a coisas desse género. Ele explicou-me algumas coisas que iriam acontecer nesse acampamento. Eu não percebi quase nada a não ser que iríamos também jogar futebol e ter outras actividades lúdicas interessantes.
Foi o retiro mais importante da minha vida...





sábado, 15 de dezembro de 2012


Cheguei a Escola Secundária, foi incrível. Casalinhos aos beijos no recreio. Jovens fumando sem ninguém dizer nada. Entrava e saía do Escola quem queria. Na minha ex-escola, nós não poderíamos fazer nada disso. Tínhamos os números das salas pintados no chão e no fim do intervalo, tínhamos de ficar de pé, em frente ao número, dois a dois, em silêncio. O professor chegava e com voz serena dizia «podem avançar». Continuávamos dois a dois até a porta da sala, parávamos frente á mesma, e o mesmo proferia com calma «podem entrar». Entrávamos e ficávamos de pé ao lado do nosso lugar até ouvirmos a voz de ordem que nos permitia sentar.
Quando entrei na primeira aula, foi quase como se tivesse entrado numa cena dum filme americano. Havia alunos sentados em cima das mesas a conversar uns com os outros. Outros lutavam, na brincadeira. O professor nem lá estava ainda. Disseram-me que vinha aí o “VaVá”, aprendi mais tarde que era o nome que davam a este professor por passar todo o seu tempo a tentar acalmar os alunos de modo a que se concentrassem na matéria dizendo
« Va!…Va!…Va!».
Logo no primeiro dia, aproximou-se de mim um rapaz que se apresentou e começou logo, sem que lhe pedisse, a apresentar-me aos seus amigos. Prometeu que me iria ajudar a conhecer mais jovens dentro e fora da escola! Eu estava perdido. Nunca iria conseguir decorar tantos nomes duma vez só. Nem as caras, quanto mais os nomes…
Por ter tido que voltar um ano escolar trás(se não tivesse passado no exame Ad-hoc, teriam sido dois!) tornei-me rapidamente um dos melhores alunos da turno. Alguns dos meus colegas nunca compreenderam isso e acharam que eu era naturalmente um bom aluno, o que não me dava muito jeito! Pois os “marrões“ era gozados. O que me salvou, foi o facto, que muito rapidamente eu comecei a revelar meu jeito para o futebol e entrei na categoria de “futebolista” e isso já me conferia algum respeito por si só. Acabei por entrar no clube da cidade e comecei a ser ainda mais amado ainda por alguns e evitado por outros como é normal.
Eu era uma novidade, na altura, não era muito comum um “francês” voltar. Percebi rapidamente porquê. A vida ainda não era muito fácil por estas paragens. Mas era incrível a alegria e a “santa” loucura que alguns vivenciavam.

Claro, não demorei muito a perceber que como qualquer cultura, esta também tinha os seus pontos fracos. Neste caso, prometia-se muito, demasiado rápido e esquecia-se mais rápido ainda. As amizades eram leves e por vezes efémeras. As brincadeiras, pelo menos o tipo de brincadeiras que se usavam pela maioria, não me satisfazia. Já tinha outras preocupações. Não era santo, mas estava preocupado.
Em casa, as coisas não estavam bem, o meu avô estava estranho. Minha mãe chocava com a minha avó. Havia um mau estar geral. Eu não percebia porquê. Se os meus avos gostavam tanto de nós, porque não estavam felizes por nos ter com eles agora. Sempre ouvira dos meus pais que eles tinham dinheiro, por isso essa não poderia ser a razão.
Minha mãe, um dia, aproximou-se de mim a chorar e contou-me que os seus pais tinham vergonha dela porque ela abandonara o seu marido. E mais ainda, eles lhe tinham dito que se ela o deixara, é porque ela não poderia ser boa pessoa. Mais tarde percebi que a envolvência social tinha muito poder ainda, nesta cultura. Eles estavam preocupados como o que os outros pesavam e afirmavam. Mas a minha mãe foi mais além e afirmou o que eu não queria ouvir. Teríamos de ir viver para o apartamento que era dos meus pais e sujeitar-nos a que o meu pai aparecesse a qualquer momento e que recomeçasse tudo outra vez.
Não tardou muito, já não estávamos a viver com os meus avós…