quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Fugir para Faro

Mal tinha acabado de comer, com muito custo, uma pequena posta de bacalhau e duas ou três batatas, a Cristina não aguentou mais as dores. Tivemos de fugir para Faro no nosso fabuloso Peugeot 205.
Eu parecia um autentico condutor das ambulâncias do INEM (que ainda não existiam na altura).
É incrível como poderia facilmente ter provocado um acidente ao querer ser rápido demais mas no fundo era o meu sistema nervoso central que tinha tomado a dianteira; o que é uma excelente desculpa!
O que me custou mais a mim foi a espera a que tivemos de nos sujeitar numa sala, frente a um aparelho que nos infernizava a vida cada vez que nos desenhava o início de uma nova onda que correspondia a chegada de uma nova contracção.
O que custou mais a Cristina, nunca lhe perguntei, talvez por parecer uma pergunta masoquista.
Ela implorava-me que a ajudasse, que fizesse qualquer coisa, que falasse com Deus pedindo protecção. Eu fazia o que podia mais ainda assim achava que a mais digna ajuda que lhe conseguia dar era aguentar as suas unhas "espetadas" no meu braço sem que eu me queixasse.
Felizmente tivemos a ajuda de uma senhora da igreja que trabalhava no piso e que nos impunha uma serenidade de quem sabe que tudo vai correr bem e que estava tudo controlado. O que me era difícil acreditar...
É talvez dos momentos em que nos sentimos mais vulneráveis, mais humanos, mais dependentes da graça divina. Será que a mãe vai aguentar?, o bebé estará bom de saúde? saíra ele perfeito? estará o médico concentrado no que está a fazer?
Enfim a dúvida, o medo e as preces dão lugar as lágrimas. O bebé está bem, a mãe também, eu continha o choro por não me sentir a vontade perante a observação do Staff que estava a espera de enquadrar o meu comportamento numa categoria já previamente estabelecida:

O pai chorão
O pai seco
O pai que desmaia
O pai que filma
O pai presente ausente
O pai em choque
O pai vitorioso e irritante que festeja como se tivesse sido ele a ter o bebé
...

Puseram-me o bebé no colo. Era um misto de querer e não querer. Era muita responsabilidade segurar um ser tão importante, tão maravilhoso, tão frágil. Eu que sempre deixava cair as coisas lá em casa e a quem a minha mãe apelidava de "mãos de aranha".

O estranho é que fomos quase logo separados. Eu voltei, só, para casa, depois de me despedir, orgulhoso do sacrifício da Cristina.

E assim se terminava o meu dia 25 de Dezembro de 1996

A Deus toda Glória!


sábado, 12 de dezembro de 2015

Um novo e lindo apartamento, muita luz, boa vizinhança, uma linda esposa e um bebé à caminho! 

Fantástico!

Fazia muitas horas extraordinárias e, por isso, o meu ordenado chegava para permitir que a Cristina ficasse em casa e tratasse da casa.
Consagrávamos muito tempo ao trabalho para Deus, leia-se trabalho na igreja local, com jovens, com música, com ensino, com boleias, tentávamos influenciar a vizinhança. Eu jogava futebol com os miúdos nas ruas e a Cristina dava explicações a várias crianças.
A Igreja chegou a alugar uma garagem que foi transformada numa pequena missão na qual também ajudávamos.
Não tínhamos Televisão nos primeiros tempos. líamos, orávamos pelas pessoas da família e pelas outras em geral. Eu lia muito, talvez demais e comparava-me com os heróis da fé que ficaram na história. O problema era que enquanto a Bíblia me mostrava as forças e os podre dos personagens bíblicos, os livros escritos por cristãos acerca de cristãos são por vezes demasiado abonatórios e nos levam a cometer erros que nos podem ser fatais..
Eu vivia frustrado com os poucos frutos e queria mais, e não entendia o porquê da igreja (conjunto das pessoas que se reúnem em nome de Cristo Jesus) ser tão afastada da missão que Deus deixou: Evangelizar, cuidar dos órfãos e das viúvas...
O meu emprego era outra frustração, eu nunca fui muito habilidoso e tinha muita dificuldade em chegar ao nível dos meus colegas.
Lembrava-me das palavras do meu pai, que me comparava a uma moça e as de minha mãe que dizia que tinha pena de perceber que eu nunca iria ser como fulano ou como Sicrano. A minha irmã continuava os seus estudos e penso que já era Engenheira em Topografia, eu apenas tinha o Curso Complementar de Construção Civil (11ºano) que não servira para nada visto eu nunca me ter conseguido adaptar a essa arte...
Minha alegria era a minha nova pequena família, nós sonhávamos com um futuro mais cheio de amor do que de sucessos financeiros ou materiais.
Ao casar decidimos não continuar a ajudar o meu sogro na residencial para termos mais tempo para servir na "Obra de Deus".
As visitas da minha mãe eram preciosas, ela estava radiante com o próximo nascimento do seu primeiro neto. Sobrevivera a uma cancro bastante severo que os médicos apelidaram várias vezes de fatal mas pela graça de Deus isso não se veio a verificar.
Chegamos a um acordo, o nosso bebé se viria a chamar Samuel (do Hebraico "שמואל": Deus ouviu).
Será que a Cristina chegaria a festejar o Natal connosco ou iria estar na sala de partos nessa altura...

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Nosso novo Lar

Encontramos uma linda alternativa. Não era uma boa alternativa mas uma linda alternativa. Uma casa velha, melhor dizendo, velhinha, cheia de bolor... mas era minha, era nossa, alugada vá. E avançamos. A minha linda esposa aceitou sair do seu Castelo e fomos para Almansil num "renque" de casas velhas ao pé de um restaurante de Luxo que ficava perto de um "Ribeiro", perto de umas garagens que equivaliam a umas vivendas geminadas em que o contador de água de todos era o mesmo, administrado pela Senhoria, uma Senhora que ria muito mas que mandava o filho resolver os seus problemas, quando a vontade de rir acabava.
Os finais de tarde eram magníficos. As pessoas encontravam-se e comunicavam na curva da estrada entre a Senhoria e o Restaurante de Luxo que albergava trabalhadores durante o dia e jogadores de Golf durante a noite.
Tínhamos um "poial", não sei se esta palavra está no dicionário mas sempre gostei de a ouvir por aí. Um poial é um pouco como um Chat em que nos encontramos Online.
Tínhamos um sala-cozinha, uma casa de banho e um quarto em que a pintura, consoante as zonas, variava do branco ao preto-bolor.
Mas não houve sítios, não houve muitos, não houve quase nenhum como este, em que nós nos sentimos tão nós, tão únicos, tão livres, mesmo que, sem visitas durante um ano da parte de alguns membros da família! 
Um dia, a minha esposa se voltou para mim e deu-me uma novidade, uma grande novidade, uma novidade que nos iria catapultar desta velha casinha para um lar mais a condizer com a nossa nova situação...


sábado, 24 de outubro de 2015

Uma Casa na Colina

Seria difícil pedir melhor, começamos nosso casamento vivendo numa grande vivenda com piscina no Algarve nas Colinas de Vilamoura que nessa altura ainda tinham por nome Vale Judeu.
A natureza, o silêncio, a vista sobre uma boa parte do Algarve, enfim o sonho de qualquer pessoa. A casa era dos meus sogros, eles vivam numa residencial que lhe pertencia no vale de Vale Judeu e nós tínhamos o privilégio de morar na casa que eles construíram com as suas próprias mãos para aí passarem o resto das suas vidas.
A questão é que a ocupação da casa, na minha mente, era muito diferente da real e necessária ocupação, da mesma. O meu sogro aparecia frequentemente e sempre com uma missão para a qual ele necessitava da minha ajuda. Eu nunca tinha vivido numa casa. Não imaginava todo o trabalho de manutenção que isso implicava. Além da manutenção, meu sogro sempre construía mais alguma coisa afim de aprimorar sua linda mansão.
Não é difícil perceber que rapidamente o sonho virou pesadelo para mim e comecei, ao fim de um tempo, a ponderar mudar de casa afim de levar uma vida mais à maneira que eu considerava ser mais "segundo a vontade de Deus", uma vida em que, depois do trabalho, eu tivesse mais tempo para ler, para falar com Deus, para receber pessoas em casa com mais intimidade e consequentemente com menos"ruídos".
Hoje, eu vejo as coisas de uma forma bem diferente e entendo que cuidar de um jardim ou manter uma propriedade pode agradar tanto a Deus como estar a falar sempre do seu nome, ou mais até...
O que é certo é que uma noite, estávamos nós a conviver com uns amigos, o meu sogro apareceu para vir buscar uma lâmpada de que necessitava lá na residencial, logo por "azar" para nós, era uma das lâmpadas que estávamos a utilizar naquele momento...
Foi a gota de água para o meu grande e jovem orgulho, naquela noite, eu decidi que este episódio não se repetiria.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Toca a vom...andar!

Voltamos a estrada. O carro estava reparado e nós muito debilitados.
Tivemos muita sorte! ou talvez não...não tenha sido sorte...mas enfim...a correia de transmissão partiu no instante em que o carro estava em ponto morto, nos semáforos de Rio Maior. A bem dizer, isto pode-se chamar, tecnicamente, de milagre ou de probabilidade ínfima!
Bastou ao simpático mecânico substituir a correia e lá fomos nós com o carro reparado mas muito debilitados.
Tão debilitados que fazíamos uns quilómetros e parávamos num café afim de vomitar e fazer mais coisas tão horríveis como esta. Enfim só conseguimos chegar ao Porto. O Gerês teria de ficar para mais tarde (à hora em que este texto está a ser escrito, ainda não conseguimos cumprir nossa viagem a esse maravilhoso destino).
No Porto, comemos uma sopinha e tomamos a decisão de regressar ao Algarve, pela autoestrada, o mais depressa possível! (Na altura não existia tanta autoestrada como hoje).
Uma lua de mel quase a chegar ao fel. Nem turismo, nem comidas e bebidas e nem sexo..."mezinhas" e comprimidos e muita vontade de regressar a casa.
O carro chegou bem ao Algarve e nós também. Mas a alegria de começar uma nova fase, Nossa Nova Fase era inatingível. O amor que sentíamos abafava todo e qualquer contratempo!
Chegávamos a casa, ou melhor dizendo, a casa cedidos pelos meus sogros para vivermos a partir de agora, uma magnífica vivenda com piscina com vista para o mar. Só faltava torná-la o nosso lar...

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Viagem de núpcias muito atribulada!

O plano era simples. Ir, com o nosso lindo Peugeot 205 azul com umas "risquinhas" verde e vermelha (acho eu!), até ao Gerês.


Pararíamos nas cidades mas importantes afim de as visitar e de provar as suas especialidades gastronómicas. Que maravilha! Que alegria podermos fazer esta viagem sem darmos a mínima satisfação aos nossos pais.
As pessoas eram todas simpáticas. Devia estar estampada, nas nossas testas, a felicidade ingénua que sentíamos.
Ai! o Gerês, já tínhamos ouvido falar maravilhas desse sítio; a sua vegetação, o seu ar fresco e puro, as suas gentes, enfim. Passaríamos também pelo Porto, grande cidade! poderíamos provar as suas famosas "francezinhas" num dos seus mais característicos cafés...
Chegamos a Rio Maior, chegamos aos miseráveis semáforos da Nacional que passa por Rio Maior e, como era a subir, puxei o travão de mão, e pus o carro em ponto morto, só que, quando engatei a primeira, ele não andou mais! Nada! Chovia! Tínhamos uma fila de pessoas, dentro dos seus carros, atrás de nós, e agora? e agora? 
Tive de criar coragem, dirigi-me a minha noiva e perguntei-lhe: "importas-te de me ajudar a empurrar-me o carro para a berma?...a Cristina, ainda sem perceber o que lhe estava a acontecer, saiu do carro, abriu bem a porta e...passo a passo, no meio da lama, ajudou-me a chegar o carro para a berma.
Aquilo ficava no meio de uma zona industrial. Havia muito trânsito, muita confusão. Os primeiros, a seguir a nós, zangados, fugiram logo, até que um mecânico simpático propôs-nos rebocar o nosso lindo Peujeot afim de verificar o que se estava a passar  no motor. E assim foi!
Ficamos num hotel mesmo no centro de Rio Maior. E pensamos que, pelo menos, aproveitaríamos para provar alguma iguaria do sítio, foi a pior decisão que poderíamos ter tomado...

sábado, 8 de agosto de 2015

A Estrada de Pegões

Eu sempre gostei da estrada de Pegões, as árvores, a sombra,a fuga, a aventura, as ultrapassagens arriscadas, enfim, desta vez era diferente. Estávamos na nossa lua de mel a caminho do Gerez. Um sem número de ideias nos iam passando pela mente.
Já não precisaríamos fugir dos nossos pais. Já não viveríamos dependendo dos mesmos. Começamos então, de repente, nessa estrada a perceber que a nossa relação com os nossos pais nunca mais iria ser a mesma...nunca mais iríamos sentir o conforto da "dependência", do refúgio e talvez por causa disso iniciamos um momento estranho que iniciou com um imenso silêncio e depois...pouco a pouco o silêncio deu lugar ao choro que por sua vez deu lugar ao pranto. A tal ponto que tive de parar o carro para chorarmos a vontade e para nos abraçarmos. Acho que só consegui proferir uma  unica frase: "Agora estamos por nossa conta".